Em 2015, 1.083,98
toneladas de papel foram eliminadas dos órgãos públicos do
estado de São Paulo.E isso é só 2% do que poderia ir para o lixo.
Você abre o
armário. Uma pilha de roupas amassadas escorrega e cai aos seus pés, anunciando
a inevitável bagunça. Deu preguiça só de pensar em arrumar tudo isso? Marcelo
Henrique de Assis, diretor do Centro de Gestão Documental do Arquivo Público do
Estado de São Paulo (APESP), conhece essa sensação como ninguém. Em 2010, sua
equipe abriu o “armário” de documentos do Departamento de Trânsito de
São Paulo, o Detran: a ideia era dar uma mãozinha na arrumação dos papéis
do órgão, desenvolvendo uma tabela que explica quanto tempo um determinado
documento precisa ou não ficar guardado antes de ser descartado de acordo com
critérios de relevância jurídica e cultural — uma ciência chamada arquivologia.
Cinco anos depois,
o método deu certo. 82.157 caixas de arquivo, repletas de pedidos de CNH,
multas, ofícios, cartas e até abaixo-assinados, foram enviadas para reciclagem.
Nada disso tinha validade legal ou histórica. Os galpões que essa papelada ocupava
eram alugados por R$ 125 mil mensais, e uma empresa cobrava outros R$ 850 mil
para fazer a manutenção do local. A economia de quase R$ 1 milhão para o estado
paulista, porém, é só a ponta do iceberg para os arquivistas. Em 2015, o Apesp
ajudou a descartar 151.555 caixas de arquivo inúteis de órgãos públicos.
Empilhadas, elas alcançariam 20 mil metros, ou mais de duas vezes a altura
do Monte Everest. Foi um recorde. Em 2013, 57.130 caixas foram eliminadas; em
2014, 75.532.
“Nós verificamos, em 2010, 800 quilômetros de documentos guardados em órgãos públicos. E nossa nova estimativa é de mil quilômetros, mais ou menos. É provável que 80% disso possa ser descartado sem prejuízo”, explica Assis, completando o raciocínio com uma conta rápida: “Isso dá 7.142.857 caixas de arquivo”.
“Nós verificamos, em 2010, 800 quilômetros de documentos guardados em órgãos públicos. E nossa nova estimativa é de mil quilômetros, mais ou menos. É provável que 80% disso possa ser descartado sem prejuízo”, explica Assis, completando o raciocínio com uma conta rápida: “Isso dá 7.142.857 caixas de arquivo”.
Como chegamos a
esse ponto? “No setor público, tudo que acontece é registrado, mas os
instrumentos que dão respaldo legal e social à eliminação de documentos não
existiam até 2004”, explica o arquivista. Ou seja, sempre produzimos
documentos, mas faz só dez anos que há uma forma de saber o que pode ou não ser
descartado. O raciocínio é simples: ninguém joga fora a nota fiscal de
uma geladeira ou fogão antes do término da garantia. Mas se você não soubesse a
duração da garantia, guardaria a nota por tempo indeterminado. Imagine agora
que, em vez do conserto de um eletrodoméstico, estivesse em jogo um documento
capaz de provar um crime ou um papel que registra parte da história do país.
Desde a década de 1940, com a ampliação das funções do Estado, o número de
itens que é “melhor guardar” aumentou vertiginosamente.
“O senso comum vê
o documento como algo inútil, mas ele assegura a vida em sociedade, os direitos
e deveres das pessoas”, afirma Ieda Pimenta Bernardes, doutora em História
Social pela Universidade de São Paulo (USP) e responsável pela implantação do
Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo, o SAESP. Produzir documentos demais
não é errado, mas precisamos saber quando cada um deles deixa de ser útil,
buscando formas eficientes de processá-los e armazená-los que considerem as
políticas de transparência e acesso à informação. Ler e interpretar papéis
burocráticos não são atividades das mais divertidas, mas disponibilizá-los
à população é um dever de qualquer Estado democrático.
Parte da solução
para o armazenamento de informações poderia estar na digitalização dos
arquivos, mas o critério para seleção e arquivamento de documentos é mais
importante do que a plataforma dos registros. “Digitalizar é como fotografar
com o celular”, explica Francisco Carlos Paletta, professor de Ciências da
Informação na USP. “Antes, quando um rolo de filme tinha apenas 12 ou 24 poses,
tomávamos muito cuidado com cada clique. Agora, tiramos 10 mil fotos, mas qual
parcela disso é relevante? Não podemos digitalizar lixo só porque há
espaço.” O rápido processo de obsolescência e a dificuldade de
garantir a autenticidade e evitar a adulteração de documentos no meio
virtual também são problemas. Hoje, podemos saber como e quando nossos bisavôs
chegaram ao Brasil ao abrir um livro de registro com mais de um século de idade.
Um disquete com essas mesmas informações, entretanto, não poderia ser
lido por praticamente nenhum computador atual. Se o papel tem o inconveniente
de ocupar espaço, ele também é menos suscetível ao tempo e a adulterações.

Um papel de alguns
séculos de história é visto como uma relíquia, não importa sua relevância. Mas
quase ninguém percebe que, daqui a cem anos, um documento emitido hoje também
será uma recordação do passado. É preciso limpar o armário e separar o útil do
inútil, para dar às próximas gerações um retrato transparente de nosso tempo.
Imprima esta matéria. E guarde bem guardada.
Os números do
arquivo
No APESP só há
espaço para história. Muita história. Lá estão guardados...
3,5 milhões de
documentos de pessoas, partidos políticos, empresas e movimentos sociais de
interesse dos órgãos de repressão acumulados pelo DEOPS, órgão da polícia civil
paulista responsável pela manutenção da ordem social e política durante a Ditadura Militar. Foi fundado em 1924 e encerrado em 1983,
com o processo de democratização.
30 mil mapas,
plantas, croquis e esboços produzidos entre os séculos 16 e 19.
70,8 mil caixas
de arquivo.
2,5 milhões fotografias,
negativos, filmes e ilustrações.
3,5 milhões documentos.
Matéria Publicada na Revista Galileu, 09/06/2016- Bruno Vaiano.
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