A escrava que virou rainha’: documentário e livros revivem história da brasileira que rompeu padrões do século 18
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Zezé Motta como Chica da Silva- Filme de Cacá Diegues em 1976 |
A atriz Zezé Motta lembra como se fosse hoje o dia em que recebeu o telefonema que mudou sua vida. Do outro lado da linha, o produtor Jarbas Barbosa avisava que ela tinha sido escolhida para interpretar o papel-título do filme de Cacá Diegues, Xica da Silva (1976). "Boa tarde, Chica da Silva!", saudou Barbosa, brincalhão. "Quase desmaiei!", recorda a atriz, aos risos.
Quarenta anos depois, Zezé Motta volta a trabalhar em uma produção sobre a escrava mais famosa da história do Brasil. Dessa vez, ela irá dirigir o documentário A Rainha das Américas - A Verdadeira História de Chica da Silva, que pretende passar a limpo a trajetória de Francisca da Silva de Oliveira, que ganhou fama e fortuna ao conquistar o coração do contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Sua morte completa 220 anos.
"Chica é daquelas personagens que a gente não sabe muito bem onde termina a história e começa a ficção. Em muitos registros, é tratada como prostituta. Mas, ela e João Fernandes viveram juntos 17 anos e tiveram 13 filhos. Sempre quiseram desqualificá-la, mas nunca conseguiram", diz a atriz.
O projeto do documentário inclui desde a exumação da ossada de Chica da Silva, sepultada na tumba nº 24 do cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, em Diamantina (MG), até a reconstrução de seu rosto em 3D, tarefa que está a cargo do designer Cícero Moraes.
"Ainda não sabemos como ela morreu, mas já descobrimos que tinha por volta dos 60 anos e que sofria de reumatismo", adianta a roteirista Rosi Young. O projeto prevê, ainda, a construção de uma escultura em Diamantina (MG) e a criação de um holograma em tamanho real. "Se tudo der certo, a imagem de Chica será projetada durante o desfile de uma escola de samba em 2018", diz Rosi.
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Exumação da ossada de Chica da Silva |
UMA CHICA, MUITAS VERSÕES
O documentário A Rainha das Américas, que tem previsão de lançamento para 2017, é apenas um dos projetos que prometem recontar o mito da escrava que virou "rainha". Os outros são o romance Chica da Silva - Romance de Uma Vida, da jornalista Joyce Ribeiro, que já chegou às livrarias, e a biografia Xica da Silva - Cinderela Negra, da escritora Ana Miranda, que será lançada no segundo semestre.
"Chica tinha tudo para desistir, mas lutou até o fim pelos seus sonhos. Viveu um relacionamento inter-racial, zelou pela educação dos filhos e, depois da ida do marido para Portugal, administrou, sozinha, os negócios da família. É moderna até para os dias de hoje", opina Ribeiro.
O primeiro relato de Chica de que se tem notícia está no livro Memórias do Distrito Diamantino, de 1868. Foi seu autor, o advogado Joaquim Felício dos Santos, quem imortalizou a personagem como dona de um apetite sexual insaciável.
"Não possuía graça, não possuía beleza, não possuía espírito; enfim, não possuía atrativo algum que pudesse justificar uma forte paixão", descreveu o autor. Detalhe: ele jamais conheceu Chica ou se baseou em qualquer fonte histórica.
Quase um século depois, o médico Agripa Vasconcelos lançou Chica que Manda, em 1966. Se Joaquim Felício retratou Chica como lasciva e sedutora, Agripa reforçou o estereótipo da mulher sádica e cruel. Num trecho do livro, conta que Chica mandou cortar a boca de uma suposta amante do contratador.
O documentário A Rainha das Américas, que tem previsão de lançamento para 2017, é apenas um dos projetos que prometem recontar o mito da escrava que virou "rainha". Os outros são o romance Chica da Silva - Romance de Uma Vida, da jornalista Joyce Ribeiro, que já chegou às livrarias, e a biografia Xica da Silva - Cinderela Negra, da escritora Ana Miranda, que será lançada no segundo semestre.
"Chica tinha tudo para desistir, mas lutou até o fim pelos seus sonhos. Viveu um relacionamento inter-racial, zelou pela educação dos filhos e, depois da ida do marido para Portugal, administrou, sozinha, os negócios da família. É moderna até para os dias de hoje", opina Ribeiro.
O primeiro relato de Chica de que se tem notícia está no livro Memórias do Distrito Diamantino, de 1868. Foi seu autor, o advogado Joaquim Felício dos Santos, quem imortalizou a personagem como dona de um apetite sexual insaciável.
"Não possuía graça, não possuía beleza, não possuía espírito; enfim, não possuía atrativo algum que pudesse justificar uma forte paixão", descreveu o autor. Detalhe: ele jamais conheceu Chica ou se baseou em qualquer fonte histórica.
Quase um século depois, o médico Agripa Vasconcelos lançou Chica que Manda, em 1966. Se Joaquim Felício retratou Chica como lasciva e sedutora, Agripa reforçou o estereótipo da mulher sádica e cruel. Num trecho do livro, conta que Chica mandou cortar a boca de uma suposta amante do contratador.
"Construí meu filme como uma fábula política. O conde português simbolizava o imperialismo, o contratador, a burguesia; os moradores da cidade, a classe média; o inconfidente, os revolucionários, e a Xica, a alegoria vitoriosa e solar do povo", detalha o cineasta.
Muito antes de Cacá Diegues, Cecília Meirelles já prestava tributo à escrava-rainha no livro Romanceiro da Inconfidência, de 1953. "Ainda vai chegar o dia de nos virem perguntar: quem foi Chica da Silva que viveu neste lugar?", eternizou a poetisa. Anos depois, o escritor Walcyr Carrasco convidou a então estreante Taís Araújo para dar vida à protagonista da telenovela Xica da Silva, exibida entre 1996 e 1997 pela extinta TV Manchete.
Agora, chegou a vez de Ana Miranda dar sua versão para a história. Para ser o mais fiel possível à realidade, tomou como referência Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes - O Outro Lado do Mito, da historiadora Júnia Ferreira Furtado, da UFMG.
Publicada em 2003, a mais completa biografia já escrita sobre Chica descreve a personagem como uma mãe de família dedicada, leal e religiosa.
"Nunca chegaremos a um consenso sobre figura tão complexa, misteriosa e inquietante. A imagem de Chica foi sendo interpretada à luz dos tempos e a minha Chica é a soma de todas essas interpretações. É um quebra-cabeça de medos, ânsias e sonhos", define a escritora.
FILME: Xica da Silva
ANO: 1976
DIRETOR: Cacá Diegues
RESUMO: O filme focaliza a trajetória de Xica da Silva, que de escrava, tornou-se a primeira dama negra de nossa história, seduzindo o milionário contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira.Promovendo luxuosas festas e banquetes, e exibindo grupos de teatro europeu, que se apresentavam nas salas de sua imensa casa, Xica da Silva ficou conhecida até na corte portuguesa A ostentação atingiu aspectos surrealistas, quando João Fernandes de Oliveira satisfez o caprichoso desejo de sua amante de fazer uma viagem marítima sem sair da região, construindo um lago artificial e uma caravela manobrada por uma tripulação de dez homens.
CONTEXTO HISTÓRICO
A mineração, marcada pela extração de ouro e diamantes atingiu o apogeu em Minas Gerais entre os anos de 1750 e 1770, no período em que a Inglaterra se industrializava e se consolidava como uma potência hegemônica, exercendo uma influência econômica cada vez maior sobre Portugal. Em contraste com o desenvolvimento econômico da Inglaterra, Portugal enfrentava enormes dificuldades econômicas e financeiras com a perda de seus domínios no Oriente e na África, após 60 anos de domínio espanhol durante a União Ibérica (1580-1640).
Nesse mesmo período, em que na América espanhola o esgotamento das minas irá provocar uma forte elevação no preço dos produtos, o Brasil assistia a passagem da economia açucareira para mineradora, que ao contrário da agricultura e de outras atividades, como a pecuária, foi submetida a uma rigorosa disciplina e fiscalização por parte da metrópole.
A extração do diamante inicia-se no vale do rio Jequitinhonha, sendo que durante muito tempo, os mineradores que só viam a riqueza no ouro, ignoraram o valor desta pedra preciosa, utilizada inclusive como ficha para jogo.
Somente após três décadas que o governador das Gerais, D. Lourenço de Almeida, enviou algumas pedras para serem analisadas em Portugal, que imediatamente aprovou a criação do primeiro Regimento para os Diamantes, que estabeleceu como forma de cobrar o quinto, o sistema de capitação sobre mineradores que viessem a trabalhar naquela região.
O principal centro de extração da valiosa pedra, foi o Arraial do Tijuco, hoje Diamantina em Minas Gerais, que em razão da importância, foi elevado à categoria de Distrito Diamantino, com fronteiras delimitadas e um intendente independente do governador da capitânia, subalterno apenas à coroa portuguesa.
A partir de 1734, visando um maior controle sobre a região diamantina, foi estabelecido um sistema de exclusividade na exploração de diamantes para um único contratador. Devido ao intenso contrabando e sonegação, como também ao elevado valor do produto, a metrópole decretou a Extração Real em 1771, representando o monopólio estatal sobre o diamante, que vigorou até 1832.
O ciclo do ouro e do diamante foi responsável por profundas mudanças na vida colonial. Em cem anos a população cresceu de 300 mil para, aproximadamente, 3 milhões de pessoas, incluindo aí, um deslocamento de 800 mil portugueses para o Brasil. Paralelamente foi intensificado o comércio interno de escravos, chegando do Nordeste cerca de 600 mil negros. Tais deslocamentos representam a transferência do eixo social e econômico do litoral para o interior da colônia, o que acarretou na própria mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, cidade de mais fácil acesso à região mineradora. A vida urbana mais intensa viabilizou também, melhores oportunidades no mercado interno e uma sociedade mais flexível, se comparada com o caráter estático da sociedade açucareira.
REFERÊNCIAS:
BBC Brasil, 2017. http://www.bbc.com/portuguese/geral-36658302.
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